sexta-feira, 4 de abril de 2008

O Tigre e o Dragão

Escrito por Georgia Welp em: www.georgiapsico.blogspot.com

O comentário segue na íntegra:

Iniciarei pela ficha técnica, assim como o comentário de outros críticos.



Ficha Técnica
Título Original: Wo hu zang long
Gênero: Ação
Tempo de Duração: 120 minutos
Ano de Lançamento (Taiwan): 2000
Site Oficial: www.crouchingtiger.com
Estúdio: Columbia Pictures Film Production Asia / Sony Pictures Classics / Asia Union Film & Entertainment Ltd. / China Film Co-Production Corporation / Edko Films / Good Machine / United China Vision / Zoom Hunt International Productions Company, Ltd.
Distribuição: Sony Pictures Classics
Direção: Ang Lee
Roteiro: Hui-Ling Wang, James Schamus e Juo Jung Tsai, baseado em livro de Du Lu Wang
Produção: Li-Kong Hsu, William Kong e Ang Lee
Música: Tan Dun
Direção de Fotografia: Peter Pau
Desenho de Produção: Timmy Yip
Figurino: Timmy Yip
Edição: Tim Squyres
Efeitos Especiais: Blue Sky Studios / MVFX

Michelle Yeoh (Yu Shu Lien)


Elenco
Chow Yun-Fat (Li Mu Bai)
Michelle Yeoh (Yu Shu Lien)
Zhang Ziyi (Jen)
Chang Chen (Lo)
Lung Sihung (Sir Te)
Cheng Pei Pei (Jade Fox)
Fazeng Li (Governador Yu)
Gao Zian (Bo)
Hai Yan (Madame Yu)
Wang Deming (Tsai)
Li Li (May)

Chow Yun-Fat (Li Mu Bai)

O Tigre e o Dragão é a tradução que recebeu em português o título de uma novela chinesa de artes marciais ("wuxia") do escritor chinês Wang Du Lu. Em inglês seu título é Crouching Tiger, Hidden Dragon (Chinês tradicional: 臥虎藏龍) (Chinês simplificado: 卧虎藏龙) (pinyin: Wò Hǔ Cáng Lóng).
A novela inspirou a criação de um filme dirigido por Ang Lee


Com base em um romance épico de cinco volumes do escritor Wang Du Lu, o filme, falado em mandarim, retrata a China no início do século XIX, através da disputa de dois casais de guerreiros por uma espada lendária, roubada após o mestre de artes marciais Li Um Bai decidir se afastar das lutas e combates. A suspeita do furto recai sobre a guerreira bruxa Jade Fox, que no passado assassinou o mestre de Li Um Bai.
O filme se destaca pela bela mescla entre romance e artes marciais, onde a principal atração é representada por interessantes cenas de lutas que superam a lei da gravidade. A técnica para tais efeitos utilizou cordas (retiradas digitalmente das cenas) que, movimentadas por um grande guindaste, suspendiam os atores numa velocidade impressionante, fornecendo uma plástica singular, através de movimentos com muita leveza para os embates.
Outro ponto forte do filme é a fotografia, com belíssimas tomadas de regiões desérticas da China.




O "KUNG-FU" AO LONGO DA HISTÓRIA

A época retratada pelo filme (início do século XIX), é marcada pela Dinastia Qing (1644 -1911), responsável pelo início da decadência do kung-fu no Império Chinês sob domínio manchu.
A prática do kung-fu na China, iniciou-se no século XI a. C. com a Dinastia Zhou, tornando-se posteriormente uma exigência para formação do exército. Essa arte marcial ganhou impulso entre os séculos VII e IX com a Dinastia Tang, onde todos os oficiais e soldados deveriam passar por testes antes de serem promovidos. Ao longo da Dinastia Ming (1368-1644), o kung-fu ainda prosperou, entrando em decadência na Dinastia Qing (1644-1911), quando foi proibido por todos imperadores.
Restabelecido em 1912 após a proclamação da República, o kung-fu foi preterido com a ascensão dos comunistas em 1949, quando muitos mestres por motivos políticos, emigraram para Taiwan e para Hong-Kong.

Zhang Ziyi (Jen)

http://www.adorocinema.com/filmes/tigre-e-dragao/tigre-e-dragao.htm

Ainda em:

www.cinedie.com/images/cthd.jpg


A expressão chinesa que dá nome ao filme sugere cautela perante perigos dissimulados ou pessoas que podem não ser o que parecem. Mas Lee joga com outros conceitos, especialmente o de desejo reprimido. Pelos próprios (Shu Lien e Mu Bai) ou pelos valores da sociedade e da família (Jen). Este desejo de liberdade é personificado pela personagem de Jen, cujo nome chinês é Yu Jiaolong (long = dragão), não se encontrando nenhuma justificação óbvia para a “adaptação” na legendagem (que, obviamente, vem da versão inglesa). Ela quer ser livre para amar quem quiser (Lo), mas também para fazer o que bem entender, sem respeito pelas normas de conduta do mundo a que quer pertencer, sem dar “face” a opositores ou àqueles que com ela se preocupam. Para ela, o caminho da liberdade passa pela ruptura com a família e com a sociedade aristocrática a que pertence, e pela entrada no “jiang hu”. Ironicamente, Mu Bai e Shu Lien – os quais perseguem o “dragão” –, pertencem a esse mundo, mas isso não os torna mais livres, pois permanecem constritos por convenções que os forçam a não resolver a longa repressão de sentimentos

Chang Chen (Lo)

Lo é uma personagem algo secundarizada, apesar de protagonizar um longo segmento em flashback, talvez por não intervir em nenhuma das memoráveis cenas de acção. Uma vez mais, o seu nome chinês corporiza um segundo elemento, contraposto e complementar do primeiro: Lo Xiaohu (hu = tigre). Esse momento narrativo foi uma decisão do realizador que muitos não apreciaram. Mas esses 20 minutos no deserto, adicionados aos 15 iniciais, destinados a introduzir o público ocidental à sociedade chinesa da Dinastia Qing, constituem compromissos narrativos mínimos e acabam por reforçar o efeito dos segmentos mais movimentados (como poderia dizer Li Mu Bai, “sem contenção não há acção”).
A definição das personagens é essencial às artes marciais. A personalidade e a formação/treino nas artes definem o modo como cada guerreiro luta. Shu Lien está mais presa à terra (e à memória do noivo), sendo tal notório na cena da perseguição ao ladrão da Destino Verde. Jen, pelo contrário, não tem nada que a prenda, estando disposta a abandonar tudo e (provavelmente) todos, daí a sua maior leveza. Os combates em si funcionam como um libertar de frustrações. No fundo, é como se estivéssemos perante um convencional drama de época, com os conflitos familiares, rupturas de relações, gritos e lágrimas, substituídos por artes marciais.

Cheng Pei Pei (Jade Fox)

Este gênero não é familiar a grande parte do público ocidental. “Wuxia” significa literalmente “guerreiro” ou “cavaleiro errante” e está para a China como o western pode estar para os EUA. A acção do wuxia passa-se num passado mítico, uma espécie de realidade alternativa, onde os praticantes de artes marciais podem atingir capacidades sobre-humanas. A canalização da energia interna (qi), em consonância com elementos naturais (água, vegetação, etc.) permitem-lhes executar “saltos sem peso”, com maior ou menor graciosidade.



Neste comentário sobre o filme "O Tigre e o Dragão", vou abster-me de contar a história, vou deter-me apenas sobre os personagens e suas relações.

A narrativa da história possui uma característica de Wushia, que poderiam ser interpretadas como "novelas chinesas", ou narrativas "cavalheirescas" dos antigos lutadores, exaltando sua virtudes. Então, ao interpretar a história, devemos levar em conta estas características.

O primeiro ponto que considero relevante se refere ao fato de que a trama se desenvolve em torno de quatro personagens, divididos em dois casais.
Segundo o "Dicionáro de Símbolos" de J. Chevalier e A. Gheerbrant, "desde as épocas vizinhas da pré-história, o 4 foi utilizado para significar o sólido, o tangível, o sensível. Sua relação com a cruz fazia dele um símbolo comparável de plenitude, de universalidade, um símbolo totalizador."

Das relações de casal e sua diferenças, tratarei ao final do artigo.
Primeiramente, tratarei das carcterísticas principais destas 4 personagens.


Li Mu Bai é discípulo de um mestre do templo Wudam, famoso por suas técnicas de espada. Seu mestre havia sido morto por Jade Fox, sua esposa, que desejava aprender, mas o conhecimento lhe fora negado; ela então, envenena seu esposo e lhe rouba suas "anotações".
Como em toda a Wushia, Li Mu Bai deverá vingar seu antigo mestre, mas depara-se com um conflito, está envelhecendo e deseja deixar a espada e viver em paz, ao lado da mulher que ama, mas, ao mesmo tempo, não possui descendentes em sua arte e este desejo lhe faz incorrer em erro.

Jen è uma personagem interessante: culta, filha de um governador, prometida em um casamento político, deseja ser livre, viver a vida dos lutadores, mas sem compromissos ou barreiras. Tem como governanta Jade Fox, que após matar o esposo se refugia na casa do governador. Juntas, procuram decifrar as "anotações" do antigo mestre, mas há uma diferença forte que afasta as duas mulheres.

A escrita "chinesa" é composta de símbolos e pode conter determinada sutileza em seus traços caso seja da capacidade de seu autor, assim como também da capacidade de seu leitor; assim, o que acontece entre "mestra" (Jade Fox) e discípula (Jen) é que a segunda consegue "ler" detalhes incutidos nos antigos alfarrábios que sua mestra nem sequer sonha.
Este pequeno detalhe causa-lhe uma empáfia ou orgulho que será o agente "detonador" de todas as situações "problema" na narrativa. Possui um treinamento, mas está incompleto, não aprende por uma relação, o que lhe gera desconfiança e descontrole, ao mesmo tempo em que possui um conhecimento parcial e tem nas mãos uma arma poderosa, o que a deixa invencível perante outros.

Sobre a espada, já havia comentado sobre a notoriedade da escola Wudam sobre esta técnica. cabe destacar que os chineses atribuem um "alma" própria às armas, sendo vedado o toque à sua lâmina, justamente para não "macular" tal "espírito".


A personagem Yu Shu Lien considero a mais difícil de ser comentada porque encarna um ideal dos praticantes de artes marciais: equilibrada, procura resolver as questões de forma diplomática sem mexer nas estruturas políticas e nos interesses individuais.
Neste sentido, uma das cenas chama a atenção; por ser uma personagem tão comprometida com determinados ideais, isto acaba gerando uma oposição natural com Jen, que é demonstrada pela cena e o vídeo que postei aqui.
Existem várias oposições entre as duas personagens, mas a gota d'água parece ser a insistência de Jen em interpretar as situações como "armadilhas" onde outros desejam comprometê-la.


A superioridade técnica de Yu Shu Lien é evidente no combate, ele inicia-se com uma batida de dao (facão), o que é uma marca típica de uma "lição" que um mestre dá a um aluno.
Devo lembrar que este combate é mais um capítulo de nossa Wushia, pois combates de armas não devem ultrapassar 15 segundos.
"Acerta-se a mão do oponente e o combate termina", explicou-me um amigo, professor do estilo Shaolim do Norte, em contato com seu mestre.
Mas o filme pretende fazer uma demonstração de armas e técnicas e, como coloquei anteriormente, deixar bem marcada a superioridade técnica de Yu Shu Lien sobre sua oponente, pois maneja várias armas: dao, futao changao, cheung, dui quan, Jor Yow Gim (respectivamente: facão, facão duplo, garra de tigre, lança, pequeno bastão e espada longa), Jen consegue uma aparente vitória atravéz de um "rompimento de regras", quando Yu Shu Lien já havia demonstrado sua vitória. Mais uma vez, neste momento, Jen demonstra o comportamento que lhe é característico na história; o rompimento de acordos ou a fuga quando é confrontada.



Lo é um habitante do deserto: órfão, bom vivant, ladrão, não consegue expressar-se adequadamente quando o assunto trata de sentimentos (pois o mesmo vive a aridez do deserto!); então, "seduz" seu objeto de desejo roubando-lhe um pente (!), Jen, também infantil sentimentalmente o persegue durante um dia inteiro: "devolva-me o meu pente"(!). Depois de muitos socos, chutes, fugas e facadas, finalmente o jovem casal consuma sua união.Lo deixa que seu objeto de desejo vá embora, a fim de contrair as núpcias as quais era comprometida, para depois, no dia do casamento, arrepender-se (?) e, de forma dramática, pública e impotente clamar pelo retorno de seu amor.